Um médium contrariado, que considera seu dom uma maldição e decide fugir dele, para viver uma vida “normal”. Seu irmão protetor e ambicioso. Uma mãe drogada, acobertada por seus filhos gêmeos. Dois meninos ligados por essa mulher trágica e uma misteriosa conexão que persiste, mesmo após a morte de um deles. Uma jornalista bem sucedida que vê sua vida transformada por uma experiência de quase-morte.Teve gente que disse e escreveu que Além da vida (Hereafter, 2010) é um corpo estranho na filmografia de Clint Eastwood. Pura bobagem. Como bom discípulo de Heráclito e devoto de Dioniso, Clint está sempre em fluxo. Parece, aliás, a coisa mais natural do mundo que, a essas alturas de sua vida, ele tome a iniciativa de convidar a morte para um dedinho de prosa. Um aviso: se você quer ver um filme sobre a comunicação entre vivos e mortos, prefira o clichê A morte e vida de Charlie, com o fofo ex-teen Zac Efron. Porque o verdadeiro tema de Além da vida é a difícil, quase impossível comunicação entre vivos e vivos. Entre mãe e filhos. Entre irmãos e amantes ou quase. Entre escritor e leitor. Comunicação mediada pela comida, pela internet, pelas cartas, pela literatura. Comunicação verbal e não verbal. Mensagens transmitidas pelo tato, pelo paladar, pelo olhar. Pelos objetos que falam por nós, quando silenciamos. Os mortos são somente a isca. Os vivos são o verdadeiro alvo. O que os mortos dizem, no filme, soa quase sempre irrelevante e banal. E, no fundo, é banal, conquanto nunca irrelevante. A mensagem que ressoa do lado de lá, tão repisada quanto ignorada, vem justamente de uma personagem de Charles Dickens, o escritor favorito do médium George. É Dickens, enfim, quem amarra os fios soltos numa única narrativa. Em “Um conto de natal”, Jacob Marley, ex-sócio do mesquinho protagonista Ebenezer Scrooge, volta do além para alertar seu colega sociopata a mudar de conduta enquanto pode. Só isso. Mais a direção segura e sensível de Clint Eastwood que, esperamos, ainda haverá de nos contar muitas outras boas histórias.